segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Círio de Nazaré chega a sua 71ª edição


Multidão saiu às ruas de Pirabas para celebrar o círio de Nazaré


Uma multidão de quase 10 mil pessoas enfrentou o intenso calor das ruas de Pirabas na procissão do círio de Nossa Senhora de Nazaré, manhã de domingo (27).
O clima festivo do maior evento religioso do município teve início na tarde de quinta-feira (24), com a romaria rodoviária que conduziu a imagem da santa pelas comunidades localizadas às margens das rodovias PA 440, 124 e ramal da Boa Esperança. No cortejo, várias famílias da zona rural do município tiveram a oportunidade de contemplar a rainha da Amazônia em sua passagem pelas 10 comunidades situadas ao longo do percurso de 35 km, que teve como destino o porto da comunidade do Hilário.
No final da manhã de sábado (26), aconteceu o retorno da imagem a sede do município coma realização da romaria fluvial, atraindo dezenas embarcações de vários portes, atravessando a foz dos rios Axindeua e Pirabas em direção ao trapiche do beiradão, local de desembarque onde autoridades políticas, eclesiásticas e lideranças do setor pesqueiro já aguardavam a romaria. Em terra firme, a imagem de Nazaré ganhou mais homenagens com a moto romaria, organizada por associações de moto taxistas, percorrendo alguns bairros da cidade, com passagem pela igreja de São Mateus, no bairro da Piracema.
À noite, já na berlinda, os fiéis católicos saíram em caminhada na trasladação da imagem até a igreja de São Pedro. Durante o percurso, estudantes de escolas públicas prestavam suas homenagens, fogos de artifícios iluminavam o céu de Pirabas anunciando a passagem da imagem em frente aos órgãos públicos e empresas, emocionando os fiéis que continuavam a caminhada sem interromper o clima de meditação.
A movimentação nas primeiras horas do dia já anunciava a grande procissão que se seguiria no período da manhã. Casas bem ornamentadas, famílias inteiras ao redor de oratórios com réplicas da imagem peregrina em frente às residências  aguardavam a passagem da berlinda. Enquanto isso, promesseiros de cidades vizinhas continuavam chegando para participar da celebração da 71ª edição do círio em Pirabas vindo em grandes caravanas, muitas destas, perfazendo todo o percurso a pé, como prova da determinação, amor e fé de quem deseja demonstrar gratidão à virgem de Nazaré por alguma benção alcançada.
 Por volta das 7h e 30 minutos, a multidão ao som de músicas marianas, já se aglomerava em frente à igreja de São Pedro. Crianças, jovens e idosos procuravam o melhor local para acompanhar a berlinda nos 2,7 km de distância que separam os dois templos católicos. Todos, mas de forma individual procuravam expressa a fé e a devoção à Maria; uns carregavam membros do corpo em gesso representando a cura de alguma enfermidade, crianças vestidas de anjos no colo de seus pais ou no bote de São João Batista davam os sinais de que ainda na infância, a proteção de Nossa Senhora de Nazaré já havia se manifestado, réplicas de canoas e pequenas casas de miriti ou papelão eram erguidas acima da cabeça. Os motivos eram muitos, porém, o sentimento era o mesmo – gratidão.
Em cada esquina, as homenagens se multiplicavam. Ao contemplarem a soberana rainha em sua exótica berlinda, muitos calavam-se diante da beleza do grande movimento humano no vai-e-vem da corda, enquanto as lágrimas nos olhos expressavam a emoção que com palavras não saberiam descrever. E assim a multidão caminhava em direção ao seu destino entre fogos, canções e chuvas de papel picado.
Na sua penúltima parada, em frente à sede da colônia de pescadores, a multidão reviveu a história que deu início ao círio, relembrando a fé dos seus fundadores na intervenção do maior conflito que já houve em terras pirabenses. Ao se aproximar do casarão de pedras da família Neyrão, fogos anunciavam o fim do cortejo. Exatamente às 11h e 45 minutos quando os promesseiros da corda a erguiam com o grito de “vivas” a berlinda adentrava a praça da matriz em direção às escadarias da igreja onde a imagem estava sendo aguardada por Dom Carlos Verzeletti, bispo da diocese de Castanhal e pelo pároco local, padre José Nunes.
Após a retirada da imagem de dentro da berlinda, no momento mais aguardado pelos fiéis, Dom Carlos ergueu a santa imagem de Nossa Senhora de Nazaré movimentando-a para todos os lados para abençoar grande multidão, despedindo-a de mais um compromisso em honra a mãe de Jesus e a memória da milagrosa intervenção que devolveu a paz e a tranquilidade ao povo pirabense terminando com o violento conflito entre pescadores e colônia no ano de 1942.
Uma grande missa celebrada na igreja matriz encerrou as comemorações do círio de Nossa Senhora de Nazaré em São João de Pirabas.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Revivendo a história

Fragmentos da história do Círio de Nazaré em Pirabas



Foto: Paulinho Pinheiro/arquivo
A comunidade católica de São João de Pirabas está nos últimos preparativos para a celebração da maior festa religiosa do município. Apesar de ter São João Batista como o padroeiro da cidade, é no círio de Nazaré que acontece os maiores exemplos de fé e devoção do povo pirabense.
Fundado no ano de 1942, o círio de Nazaré em Pirabas é o resultado de uma graça alcançada, requerida por algumas famílias da localidade, lideradas pela senhora Percília Nogueira Batista, frente ao violento conflito protagonizado por pescadores e colônia (de pescadores).
Segundo relato de moradores mais antigos, no início da década de 1940, a colônia de pescadores, através do então presidente Siqueira Campos, deflagrou abusiva cobrança de impostos sobre a produção de pescado, o que inviabilizava a sobrevivência das comunidades pesqueiras. Com o alto índice de inadimplência dos pescadores junto à colônia, Campos, que já era considerado uma pessoa autoritária, passou a perseguir os devedores com o espólio dos poucos bens que dispunham para garantir o sustento de suas famílias. Assim, vários artefatos de pesca como canoas, tarrafas e espinhéis eram confiscados para saldar as dívidas com a entidade, muitas vezes usando de truculência até mesmo contra as mulheres e filhos menores dos pescadores. A situação agravou-se ainda mais com a proibição, por parte da colônia, dos pescadores artesanais exercerem suas atividades, ou seja, estavam proibidos de içarem suas velas ao mar.
A reação foi imediata. Organizados em comboios de grandes batelões, Lourenço da Fonseca, da vila do Inajá, liderou os “rebeldes” que remaram até o local onde ainda hoje está situada a sede da colônia de pescadores Z-08, tendo a adesão de pescadores de outras comunidades.
Ao avistar as canoas despontarem na lage, um dos funcionários de campos chegou a dizer: -“dessa vez os cofres da colônia vão abarrotar de dinheiro”, sem imaginar o clima de animosidade e o perigo que estavam correndo. Mas que depressa, o oficial organizou o pequeno escritório para recepcionar os inadimplentes, deixando em ordem todo o material de expediente, supondo uma grande arrecadação.
Aportando na areia da praia e recompondo as forças à sombra de uma frondosa mangueira, que até pouco tempo atrás fazia parte da nossa paisagem, antes da construção do complexo Maria Pajé, os revoltosos aparentando serenidade e aptidão ao diálogo foram recebidos pelo próprio Siqueira Campos, animado pela grande expectativa de arrecadação que faria naquela manhã. Porém, os inajauaras liderados por Lourenço não estavam nada dispostos à conversa ou algum tipo de negociação, o que foi demonstrado logo nos primeiros segundos da saudação entre os dois líderes. Ao cumprimentar o oficial, estendendo-lhe a mão direita, favorecido pela boa estatura e força física, Lourenço surpreende Campos ao acerta-lhe um violento soco com a mão esquerda à altura da orelha, deixando-o desacordado. Daí em diante, a pancadaria segundo relata dona Edith Pereira Lima, na época com 11 anos de idade, foi generalizada.
O que seria uma grande arrecadação para os cofres da colônia, tornou-se o maior movimento de resistência contra as arbitrariedades impostas ao povo pirabense que até hoje se tem notícia, lembrando-nos a cabanagem, cem anos antes.
Para não perecer nas mãos dos revoltosos, Campos finge-se de morto, resgatado por partidários, retorna à capital. Assume em seu lugar o senhor Paulo Pinto, dando continuidade à política do antecessor, inclusive com a prisão de alguns supostos participantes da revolta que ainda chegaram a ser enviados a Belém.
Essa atitude inflamou ainda mais os ânimos dos rebeldes, e o conflito com a colônia, já em meio à instabilidade da II guerra mundial, parecia ganhar grandes proporções, situação que afligia as humildes famílias que habitavam a então vila pertencente à Salinópolis. Diante dos rumores de se intensificar o conflito, sem que as partes conseguissem selar um acordo, a solução foi apelar para o campo espiritual. Quase no limite do desespero, Percília Nogueira Batista decidiu fazer um voto, suplicando a Nossa Senhora de Nazaré a intervenção divina na situação conflituosa que parecia longe do fim, prometendo organizar a procissão de um círio em homenagem à rainha da Amazônia.
Milagrosamente a animosidade cessou. O ambiente tranquilo que reinava absoluto na vila de pescadores voltou à normalidade, e assim, foi confirmado o milagre da intervenção no conflito, fortalecendo ainda mais a fé católica.  Alcançada a graça, restava pagar a promessa feita. Por não ser católica praticante, Percília pediu a ajuda de dona Nazaré Nassar e Magna Natividade Ferreira, a quem coube a confecção do andor da Santa, feito com papelão pregado com alfinetes.
Tomadas todas as providências necessárias ao grande círio, sob o comando espiritual do padre Dubois, na manhã do dia 10 de outubro de 1942 foi realizada a primeira procissão em louvor a Nossa senhora de Nazaré, que no decorrer das primeiras décadas já se consolidava como um dos principais eventos católicos da região, atraindo centenas de pessoas de municípios vizinhos.
São considerados os fundadores do Círio em Pirabas: Percília Nogueira Batista, Nazaré Nassar, Magna Natividade Ferreira e Manoel Feliz Batista.

A Berlinda


Foto: Paulinho Pinheiro/Arquivo
Assim como a corda, o bote de São João Batista e o carro dos anjos, a berlinda talvez seja um dos símbolos que mais representa o círio de Nazaré em Pirabas. Elemento responsável pela condução da santa imagem, por aqui, a berlinda ganhou uma forma bem inusitada se comparada aos demais andores dos círios pelo interior do estado. Na forma de uma embarcação, a berlinda causa admiração em quem visita a cidade na quadra nazarena, e tornou-se uma atração a parte na festa religiosa.
Mas, o que nem todo mundo sabe, é que a berlinda também tem sua história particular.
Em 1944, foi encontrado pelas senhoras Maria Valéria de Souza, Maria Maximiana Santa Brígida e Maria Regina, um flutuador de catalina semi-enterrado nas areias da praia da Fortaleza. Imediatamente as senhoras informaram os senhores Basilino dos Santos, Jubiano dos Santos, Agostinho Siríaco dos Santos, Valdivino Gaudino de Souza, Manoel Goulart e João Santa Brígida, que se responsabilizaram pela retirada do objeto e o transporte do mesmo até a residência do senhor Agostinho, na localidade do Piquiá.
Ao tomar conhecimento do caso, Manoel Feliz Batista foi até a residência do senhor Agostinho Siríaco com a intenção de comprar o flutuador, que por ter a aparência de um barco, serviria de berlinda para a imagem de Nossa Senhora de Nazaré na procissão do círio daquele ano. Diante da nobre proposta apresentada por Batista, os envolvidos no achado simplesmente doaram o objeto.
De posse do flutuador, Manoel Feliz Batista foi detido por ordens de Antônio Souza, presidente da colônia de pescadores, para onde a peça do avião fora levada. Porém, um telegrama enviado por dona Percília à capitania dos portos relatando o acontecimento, reverteu a situação. Assinado pelo comandante Aton Barata, um telegrama destinado à colônia de pescadores de Pirabas dava a seguinte ordem: “Deveis entregar para dona Percília Nogueira Batista o flutuador, para os fins que se destina”.
Resolvido os impecílios, Manoel Feliz Batista foi até Belém comprar os materiais necessários a montagem da berlinda, que foi construída por Manoel Pedro e Jurandir Pereira Lima, tendo como pintor Domingos Barros, responsável pela abertura das letras “N. S. de Nazaré”. 
Pela combinação com o aspecto pesqueiro da cidade, a berlinda destaca-se em meio à multidão. No alto, a imagem de Nossa Senhora de Nazaré, enquanto uma criança trajando farda de marinheiro simula a condução da réplica de um navio, construído a partir de restos da fuselagem de um avião de guerra.